sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

MEU GURI . Crônica de Silvio Lach.

Dona Natureza morava no morro. Era uma espécie de mendiga verde. Vivia de uma esmolinha aqui, outra ali. Não incomodava ninguém, só queria saber de levar sua vidinha. Acordava bem cedo e mal caía o dia já estava na cama. Pobre, abandonada, alimentava-se de água e luz, mas, mesmo assim, não fazia o tipo revoltada. Humilde, achava que tinha tudo o que precisava para viver. Acreditava em Deus, e que o Criador devia saber o que estava fazendo.
Como típica carioca moradora de morro, Dona Natureza viu-se obrigada a passar por todo o tipo de agressão. Foi queimada, violentada, teve sua casa invadida, levou paulada, viu seus filhos serem assassinados. Tem até hoje um buraco negro no pulmão, fruto de uma bala perdida que insiste em não cicatrizar e que, a cada dia, só faz aumentar. Mas quem liga para o que acontece nos morros? Quem liga para o que acontece com Dona Natureza? Algumas poucas pessoas, percebendo seu sofrimento, até tentaram ajudar. Plantaram mudas que não mudaram nada. No máximo, aliviaram a culpa.
El Nino, filho mais novo de Dona Natureza, o único que sobreviveu à última chacina, não aceitando o conformismo da mãe e sem nenhuma perspectiva de futuro, acabou por seguir o caminho de tantas outras crianças: passou a cometer pequenos delitos. Transformou-se numa espécie de pivete verde. Começou a promover arrastões levando os carros dos bacanas, invadindo casas, e até matando, com suas enchentes e chuvas de verão. Por onde passava, instaurava o medo. Do quase anonimato foi para as páginas dos principais jornais do mundo, como um perigoso assassino a ser combatido a todo custo. Foi perseguido, investigado, acusado.
El Nino, que no fundo era de natureza pacífica, foi transformado em um grande vilão. Sua passagem como um furacão serviu ao menos para abrir os olhos de algumas pessoas, que viram na sua revolta um fato a ser estudado. Mas, como um Big Brother da vida, teve seus 15 minutos de fama e desapareceu da mídia. Poucos meses depois, era como se nada tivesse acontecido. Revoltado com o sofrimento de sua mãe, a cada dia mais pobre e doente, e com o descaso das autoridades, El Nino se mandou do morro prometendo vingança. Por aqui, quase ninguém lembra dele. Dizem que saiu do país e que, depois de participar de inúmeras guerrilhas, é hoje um dos terroristas mais temidos do mundo, uma espécie de Bin Laden verde, que estaria por trás de tsunamis, furacões, tornados, secas e outros grandes atentados.
Lunático, fundador de uma seita fundamentalista, vive na clandestinidade, escondido com seus seguidores em algum lugar da Antártida, preparando um próximo atentado ainda mais violento. Hoje, não aceita negociar. Acha que não existe mais clima para isso.

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Autor: Silvio Lach
(Jornal do Brasil)

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